Das Lutas
Coletivo Autônomo de Mídia
Mil grupos.

8337_4479567726326_1341397375_npor Ricardo Gomes*

Mil grupos diversos se juntam sem se unificar. Marcham, se concentram, cantam e produzem uma infinidades de pautas absolutamente incorruptíveis. O dissenso da multidão faz a manifestação se intensificar internamente e mobilizar os mundos ao redor. O grupelho ruivo do Anonymous, os anarquistas suburbanos, a juventude das favelas, certa classe media, os midialivristas, os precariados e muitos outros emplacam organizações temporárias e abertas em frente a algum espaço privilegiado de poder. A população demonstra que não vai abrir mão de realizar-radicalizar a democracia.

Helicópteros tentam dispersar pelo medo, não adianta, nem o gás lacrimogêneo assusta as pessoas. Claro, ao ser atacada pela polícia a população corre, porém corre mais pela preservação de sua saúde do que pelo medo diante de uma forma de violência já reconhecida e, digamos, assimilada. Na correria, fazer fugir a ordem estabelecida é tão natural e saudável quanto continuar correndo, perder o moralismo, entrar num grande processo solidário coletivo de compartilhamento do vinagre, desejar e ser outro sistema político radical.

Numa esquina olhos vermelhos articulam audaciosas estratégias insurrecionais. Volta a correria e tudo dispersa na próxima esquina. Impotência logo obstruída pela chegada de mais um grupo, diverso, com tendências horizontais, aberto ao diálogo com outros grupos. Eles avançam por outros caminhos, encontram outros, voltam aos locais de confronto com táticas diversas. Mais do que um ritual marcado de confronto este é um movimento múltiplo que estamos aprendendo a fazer, movimento de resistência e invenção coletiva diante do poder.

Eles também são atacados pela polícia, mas, ao que tudo indica ninguém deixará de ir às manifestações por causa do gás lacrimogêneo. Tanto que o poder já busca novas armas mais poderosas para se proteger da população, alargando mais uma vez o limite da ‘violência estatal permitida’. A legitimidade que o jato de água não tinha ontem amanhã terá. A tv em conjunto com o Estado e o capital se encarregará de formular tal legitimidade mostrando os vândalos, o quebra-quebra dos bancos e criando um clima de terror em todos. A polícia está ficando cada vez mais violenta. O governador e o seu secretário vão continuar no discurso de que vândalos estão deturpando as manifestações? Existem milhares de provas e denúncias. A população não irá recuar, ela está efetivando sua liberdade. Talvez não como o governador queira, mas a efetivação da liberdade é assim, não respeita poderes constituídos que se colocam como forças inquestionáveis submetidas a pequenos grupos econômicos e seus interesses, ao contrário, atuam justamente para demonstrar que necessitamos de uma política em que a população seja sujeito produtor dos seus direitos.

O poder não tem centro, as manifestações tampouco. No Santa Marta, no Leblon, em frente à FETRANSPOR, na Maré, enfrentado à polícia, não importa. Isso não nos afastará das ruas. Sem centro e sem finalidade exclusiva, seu ato é seu conteúdo, sua forma irrepresentável perturba até mesmo antigos militantes, ou militantes nem tão antigos assim, mas com os mesmos velhos hábitos do dirigismo tradicional. A multidão não descansará até levar o mais adiante possível seus desejos constituintes. Agora ,quando esta possibilidade aparece, todos os grupos dos poderes constituídos (mídia, partidos, principalmente os de direita) tentam nos fazer acreditar que não estamos prontos para isso. O povo, sempre visto como ignorante, não pode escancarar seus desejos?

Por esta ‘insistência’, ainda acredito que este tipo de mobilização, nova e ainda potente para nós, sirva, devemos multiplicar. Só não podemos achar que esta é a única mobilização que vale a pena encabeçar. A desmilitarização das polícias, a democratização da mídia e a maior participação popular sobre a arrecadação passam por disputas em canais institucionalizados onde devemos atuar também.

Enfim, depois de toda a violência resta a organização aberta e potente, insistente que só pode vir de quem está no processo de luta e invenção permanentes, de quem entra neste processo querendo criar outra vida, onde a multiplicidade apontada acima esteja em todos os cantos em sua potência viva e popular.

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