Das Lutas
Coletivo Autônomo de Mídia
Nós podemos sentir o cheiro do gás lacrimogênio do Rio e de Taksim a Tahrir.

Por Camaradas do Cairo*

“Em todos os lugares nos chamam de bandidos, vândalos, saqueadores e terroristas. Nós lutamos mais do que contra a exploração econômica, a crua violência policial ou um sistema legal ilegítimo. Não é por direitos ou por reformas cívicas que nós lutamos. Nós nos opomos ao Estado Nacional como ferramenta centralizada de repressão que permite a uma elite local sugar as nossas vidas e a poderes globais a conservarem o seu domínio diário sobre nossas vidas.”

Manifestante em uma cadeira de rodas durante protesto contra o presidente egípcio Mohammed Mursi na praça Tahrir, no Cairo, 30/06/2013 (Foto: REUTERS/Mohamed Abd El Ghany)

Manifestante em uma cadeira de rodas durante protesto contra o presidente egípcio Mohammed Mursi na praça Tahrir, no Cairo, 30/06/2013 (Foto: REUTERS/Mohamed Abd El Ghany)

Para vocês que lutam do mesmo lado que nós.

O dia 30 de junho irá marcar para nós uma nova etapa de rebelião, que começamos a construir em 25 e 28 de janeiro de 2011. Desta vez nos rebelamos contra o reinado da Irmandade Muçulmana, que apenas intensificou as mesmas formas de exploração econômica, de violência policial, de tortura e de matanças.

Menções à chegada da “democracia” não têm relevância quando não há possibilidade de se viver uma vida decente com algum sinal de dignidade e de meios decentes de sustento. Reivindicações de legitimidade por meio de um processo eleitoral divergem da realidade de que no Egito a nossa luta continua, porque encaramos a perpetuação de um regime opressor que mudou a sua cara, mas que mantém a mesma lógica de repressão, austeridade e brutalidade policial. As autoridades mantêm a mesma falta de consideração para com o povo, e ocupar posições de poder traduz-se em oportunidade de aumento de poder e riqueza pessoais.

O dia 30 de junho renova o grito da Revolução: “O Povo Quer a Queda do Sistema”. Nós buscamos um futuro que não seja governado nem pelo pequeno e fechado capitalismo da Irmandade Muçulmana, nem por um aparato militar que mantenha estrangulada a vida política e econômica, nem pelo retorno às velhas estruturas da época de Mubarak. Mesmo que as fileiras de manifestantes que tomarão as ruas em 30 de junho não estejam unidas em torno desta convocação, isto precisa ser nosso, esta precisa ser a nossa postura, porque não aceitaremos um retorno aos tempos sanguinários do passado.

Embora os nossos laços ainda estejam fracos, nós extraímos esperança e inspiração das recentes revoltas, em especial as da Turquia e do Brasil. Cada qual nasceu em realidades econômica e politicamente diferentes, mas temos sido todos governados por pequenos grupos cuja cobiça tem perpetuado uma falta de visão de qualquer bem para o povo. Nós nos inspiramos na organização horizontal do Movimento Passe Livre, fundado na Bahia em 2003, e nas crescentes assembleias públicas em Taksim.

No Egito, a Irmandade dá apenas uma aparência de religiosidade ao sistema, enquanto que a lógica de um neoliberalismo concentrado esmaga o povo. Na Turquia, uma estratégia de agressividade do setor privado cresce na mesma medida em que se traduz em um regime autoritário: a mesma lógica da brutalidade policial como arma primária de opressão à oposição e a qualquer tentativa de visões alternativas. No Brasil, um governo enraizado em uma legitimidade revolucionária provou que o seu passado é apenas uma máscara que ele veste enquanto é cúmplice da mesma ordem capitalista que explora igualmente o povo e a natureza.

Estas recentes manifestações compartilham do mesmo espírito de luta das muito mais antigas e constantes batalhas dos Curdos e dos povos indígenas da América do Sul.  Por décadas, os governos da Turquia e do Brasil tentaram, sem sucesso, extinguir esses movimentos de luta pela vida. Sua resistência ao Estado repressor foi a precursora das novas ondas de protesto que se espalharam pelos territórios turco e brasileiro. Nós vemos uma urgência no reconhecimento da profundidade das lutas de cada um e buscamos formas de rebelião que se disseminem em novos espaços, vizinhanças e comunidades.

Nossas lutas compartilham um potencial de oposição ao regime global das nações unidas. Tanto na crise como na prosperidade, o Estado – no Egito seja sob o regime de Mubarak, a junta militar, ou sob o da Irmandade Muçulmana – continua a desapossar e a passar por cima dos direitos a fim de preservar e expandir a riqueza e os privilégios daqueles que estão no poder.

Nenhum de nós está lutando isoladamente. Nossos inimigos são os mesmos em Bahrain, no Brasil, na Bósnia, no Chile, na Palestina, na Síria, na Turquia, no Curdistão, na Tunísia, no Sudão, no Saara Ocidental e no Egito. E a lista continua. Em todos os lugares nos chamam de bandidos, vândalos, saqueadores e terroristas. Nós lutamos mais do que contra a exploração econômica, a crua violência policial ou um sistema legal ilegítimo. Não é por direitos ou por reformas cívicas que nós lutamos. Nós nos opomos ao Estado Nacional como ferramenta centralizada de repressão que permite a uma elite local sugar as nossas vidas e a poderes globais a conservarem o seu domínio diário sobre nossas vidas. Ambos trabalham em uníssono com balas, a mídia e com tudo o mais que está entre. Não estamos defendendo a unificação ou a equiparação das nossas diversas batalhas, mas lutamos contra a mesma estrutura de autoridade e poder que temos que desmantelar e trazer abaixo. Juntos, nossa luta é mais forte.

Nós queremos derrubar o Sistema.

Camaradas do Cairo.

Manifestante contra o presidente egípcio Mohammed Mursi pinta a bandeira do país e escreve 'Saia' no rosto durante protesto na praça Tahrir, no Cairo, neste domingo (Foto: REUTERS/Amr Abdallah Dalsh)

Manifestante contra o presidente egípcio Mohammed Mursi pinta a bandeira do país e escreve ‘Saia’ no rosto durante protesto na praça Tahrir, no Cairo, neste domingo (Foto: REUTERS/Amr Abdallah Dalsh)

*Postagem original em: http://mrzine.monthlyreview.org/2013/egypt290613.html

Traduzido por Rafael Estrela para o Das Lutas

4 Comments to “Nós podemos sentir o cheiro do gás lacrimogênio do Rio e de Taksim a Tahrir.”

  1. […] Nós podemos sentir o cheiro do gás lacrimogênio do Rio e de Taksim a Tahrir. | Das Lutas […]

  2. Tayná says:

    EMOCIONANTE!

  3. susana says:

    Muito emocionante! Muito corajosos ! Isto é vontade de mudar!

  4. Muito bom esse pensamento unificador! Queria poder ter mais informações diretas sobre eles em vez de vim de forma deturpada pela mídia.